Dividir igualmente entre pai e mãe o cuidado com os filhos passa a ser a regra em caso de fim da união conjugal, mesmo sem acordo, segundo decisão do Senado. Projeto ainda precisa de sanção presidencial para se tornar lei
Maria Eduarda e os pais, Marcelo e Francisca, optaram pela guarda compartilhada: "Não ficaria longe de nenhum" |
A decisão sobre a guarda de uma criança em caso de separação dos pais não depende mais da natureza do relacionamento deles, se conflituoso ou não. O Senado Federal aprovou, na tarde de ontem, projeto de lei que define o cuidado compartilhado como regra, mesmo se não houver acordo entre pai e mãe. A proposta, que agora segue para sanção presidencial, altera a legislação atual, que indicava a guarda dividida “sempre que possível”. Pais, especialistas e entidades da sociedade civil comemoraram a aprovação. No entanto, há preocupação com a execução prática da proposta, caso se torne lei.
Presidente da Associação dos Pais e Mães Separados (Apase), Arnaldino Rodrigues Paulino, é um dos entusiastas da proposta. “É um avanço imenso. Esperamos agora que a presidente Dilma sancione o projeto sem nenhum veto”, afirma. A Apase está envolvida na luta pela guarda compartilhada desde o ano 2000. “Em 2008, a lei foi aprovada, mas numa forma que não era a que a sociedade já vivia e queria. No momento da decisão do Judiciário, a mãe ficava como cuidadora e o pai como provedor. Isso não reconhecia as mudanças na sociedade. Os dois podem exercer os dois papéis”, ressalta.
Quando a lei completou três anos, a entidade voltou a pressionar por alterações, agora próximas de se tornarem reais. “O objetivo principal é a redução do litígio dos pais e, aí, o fim dos prejuízos causados a crianças e adolescentes na alienação parental (quando um dos pais coloca o filho contra o outro), que os afeta na escola, nas relações interpessoais de forma bastante grave”, explica. De acordo com ele, dos 20 milhões de filhos de pais separados no Brasil, 18 milhões sofrem alienação parental.
Também defensor das mudanças, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) Arnoldo Camanho faz ressalvas. “Atuei como magistrado por 11 anos em varas de família. O entendimento era de que a guarda compartilhada fosse concedida em casos de relacionamento minimamente respeitável entre os pais, porque eles precisam manter contato em muitas questões cotidianas da rotina das crianças”, explica Camanho.
Conceito
Ele esclarece que, enquanto a lei atual fala de guarda compartilhada como divisão de responsabilidades, ainda que só um tenha a companhia do filho na maior parte da semana ou do mês, o projeto estabelece também separação de tempo das crianças ao lado de cada genitor. “O novo texto traz uma mudança conceitual e aproxima a guarda compartilhada do que a gente entendia por guarda alternada, que é dada à mãe ou ao pai, dependendo de quem está com o filho naquele momento. Teremos que ver como será na prática. Torço para que funcione.”
Mesmo já existente na lei e quando decidida por toda a família, o pedido de guarda compartilhada traz dúvidas, exatamente pelo temor de atrapalhar a rotina da criança. Mas essa foi a opção de Maria Eduarda dos Santos Macedo, 10 anos. Quando os pais se separaram, a menina pediu que eles adotassem os cuidados divididos depois de assistir a uma reportagem na televisão. “Vi que era melhor assim, porque não ficaria longe de nenhum dos dois”, conta.
Ela acredita que todas as crianças deveriam viver do mesmo jeito. Maria Eduarda passa uma semana com o pai e a outra com a mãe. “As casas são diferentes, mas a educação e a rotina são as mesmas”, diz a garota. A vivência em duas lares começou em março de 2012, quando o analista de sistemas Marcelo dos Santos Alves, 36 anos, e a designer de interiores Francisca Antônia de Lima Macedo, 29, decidiram pelo divórcio e concordaram com o pedido da filha.
Apesar de terem levado toda a documentação necessária para o juiz, eles enfrentaram, em um primeiro momento, resistência do magistrado, conta Francisca. “Ele (juiz) alegou que ela (Maria Eduarda) não teria uma residência fixa e não teria rotina, o que poderia atrapalhar na formação da criança. Ele achava melhor que ela ficasse na casa de um e, a cada 15 dias, fosse passar um tempo com o outro, por exemplo. Mas nós não queríamos assim, queríamos que ela morasse com os dois.”
Recentemente, o divórcio saiu como eles queriam. Marcelo e Francisca criaram as mesmas regras para as duas casas e consideram ter acertado na escolha da guarda da filha. Apesar disso, Marcelo avalia que cada caso é um caso. Ele admite que no começo foi difícil se adaptar às novas demandas de Maria Eduarda. “Mas agora é bem tranquilo. Os dois participam da vida social dela. O fator determinante é a educação para se construir a mesma base, sobretudo na pré-adolescência”, comenta.
Fonte Correio Braziliense
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